sábado, 19 de outubro de 2013

Violetas e pavões



Tabu nas sociedades de praticamente todo o mundo, o incesto já rendeu grandes tramas na literatura. O escritor Nelson Rodrigues foi quem mais explorou o tema em suas peças teatrais, como “Álbum de Família” e “Senhora dos Afogados”. Na primeira, o filho louco é apaixonado pela mãe; na segunda, a filha trama a morte das mulheres da família com o intuito de ter o amor do pai exclusivamente para si. “Rei Édipo”, uma das tragédias gregas mais conhecidas, conta a história de Édipo que, sem saber, casa-se com a própria mãe e tem com ela quatro filhos. Li recentemente “Violetas e pavões”,  livro de contos de Dalton Trevisan, e me deparei com uma das mais belas e curtas histórias de incestos as quais tive acesso.
 “Ele” é um dos vinte e dois contos que compõem o livro. É sobre uma menina abandonada pela mãe e que passa a viver sob os cuidados do pai. Com o tempo, o que era apenas proteção paterna vira relação incestuosa. Aos poucos o autor expõe ao leitor o sentimento de abandono de pai e filha e como os dois tentam superar  a solidão. “- Só nós dois... esquecidos nesta casa. Sozinhos contra o mundo inteiro”,  diz o pai à filha quando ela chora de saudades da mãe. O pai desaparece depois que seu “crime” é descoberto, mas ódio dele ela não sente; apenas saudade.
A narrativa de Trevisan é sem concessões. “Violetas e pavões” chegou a ser retirado da lista de livros do “Vestibulinho” da UFV (Universidade Federal de Viçosa). Um grupo de pais e professores fez um abaixo-assinado exigindo que o livro fosse vetado por falar de crimes, sexo e drogas. O fato ocorreu em 2012, mesmo ano em que o autor recebeu o Prêmio Camões, um dos mais importantes da literatura em língua portuguesa. “Ele” incomoda não por tratar de uma relação sexual, acredito que nem mesmo por tratar de incesto, mas por cogitar a possibilidade de o ato ser praticado sem violência e com o consentimento de ambos.

A arte de “Violetas e pavões”  não são seus temas, mas sua forma. Seus drogados, pedófilos, bandidos, bêbados, poetas vão compondo enredos ora independentes, ora conectados. As elipses de Trevisan são muitas, e a agilidade do texto às vezes  beira a vertigem. Gostaria de escrever  sobre os demais contos, mas o espaço, assim como o conto, é curto. Fica a dica, mas não se surpreenda se, num momento de despojamento da hipocrisia, se identificar com alguns dos personagens. A literatura, quase sempre como um espelho, reflete os nossos “monstros” escondidos. 

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