terça-feira, 15 de outubro de 2013

Cardíaco

Cardíaco




O coração é apenas um músculo involuntário e ele pulsa. Afirmo isso parafraseando a canção interpretada por Marisa Monte. Mas mesmo assim depositamos todos os nossos sentimentos nele. O coração é também uma bomba, já que faz circular o sangue em todas as partes do corpo.  É uma bomba também porque o incumbimos de armazenar nossas vitórias e derrotas afetivas. Às vezes não há espaço suficiente e a caixa-músculo explode. O coração é  uma represa, transborda. Portanto não poderíamos ter apenas um.
O correto seria que fôssemos dotados de pelo menos três corações. Um para armazenar, outro para sentir, o terceiro para bombear. Um único músculo desempenhando todas essas funções sofre de sobrecarga. O enfarto é inevitável.
As pedras são felizes porque não têm coração. Pedra existe e pronto. Mas  custa caro a felicidade da pedra.  Ela paga o preço da imobilidade.
Na realidade o coração apenas faz o sangue circular, ele não armazena nem sente nossas emoções. Quem deve fazer isso é o cérebro.
 O coração sente e sofre por metáfora.
Por algum motivo atribuímos ao coração o que caberia ao dono de nossas ações, pensamentos, palavras, atos e omissões. É com o cérebro que sentimos. Paradoxalmente é com o responsável pela razão que cometemos todas as  loucuras emocionais e depois enviamos o músculo involuntário ao banco dos réus. O coração paga pelos crimes do cérebro.
Li o novo livro de poesia do escritor carioca Eucanaã Ferraz: “Sentimental”. Nele me deparei com uma das mais racionais definições poéticas para o coração: “Quase só músculo a carne dura. / É preciso morder com força.” Teria o coração a mesma textura da pedra? Creio que sim.  Talvez por isso seja preciso morder com força para entrar na matéria dura, interromper o fluxo sanguíneo, estourar artérias e dilacerar a carne.
Coração é, às vezes, tão semelhante à pedra que mordida alguma interrompe suas funções meramente fisiológicas, cabendo ao cérebro a dura tarefa de sentir. Como ele não pulsa, não bombeia; apenas armazena, quem se vale apenas dele para administrar as emoções é tão feliz quanto a pedra e também paga o preço da imobilidade.


3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. "O coração sente e sofre por metáfora."
    Amei isto! E etc e tal...!
    Abraços saudadosos!

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    1. Pois é. Não sei se por metáfora ou metonímia. Abração!

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