Cardíaco
O coração é apenas
um músculo involuntário e ele pulsa. Afirmo isso parafraseando a canção interpretada
por Marisa Monte. Mas mesmo assim depositamos todos os nossos sentimentos nele.
O coração é também uma bomba, já que faz circular o sangue em todas as partes
do corpo. É uma bomba também porque o
incumbimos de armazenar nossas vitórias e derrotas afetivas. Às vezes não há
espaço suficiente e a caixa-músculo explode. O coração é uma represa, transborda. Portanto não
poderíamos ter apenas um.
O correto seria que
fôssemos dotados de pelo menos três corações. Um para armazenar, outro para
sentir, o terceiro para bombear. Um único músculo desempenhando todas essas
funções sofre de sobrecarga. O enfarto é inevitável.
As pedras são
felizes porque não têm coração. Pedra existe e pronto. Mas custa caro a felicidade da pedra. Ela paga o preço da imobilidade.
Na realidade o
coração apenas faz o sangue circular, ele não armazena nem sente nossas
emoções. Quem deve fazer isso é o cérebro.
O coração sente e sofre por metáfora.
Por algum motivo
atribuímos ao coração o que caberia ao dono de nossas ações, pensamentos,
palavras, atos e omissões. É com o cérebro que sentimos. Paradoxalmente é com o
responsável pela razão que cometemos todas as
loucuras emocionais e depois enviamos o músculo involuntário ao banco
dos réus. O coração paga pelos crimes do cérebro.
Li o novo livro de poesia do escritor
carioca Eucanaã Ferraz: “Sentimental”. Nele me deparei com uma das mais
racionais definições poéticas para o coração: “Quase só músculo a carne dura. /
É preciso morder com força.” Teria o coração a mesma textura da pedra? Creio
que sim. Talvez por isso seja preciso
morder com força para entrar na matéria dura, interromper o fluxo sanguíneo,
estourar artérias e dilacerar a carne.
Coração é, às
vezes, tão semelhante à pedra que mordida alguma interrompe suas funções
meramente fisiológicas, cabendo ao cérebro a dura tarefa de sentir. Como ele
não pulsa, não bombeia; apenas armazena, quem se vale apenas dele para
administrar as emoções é tão feliz quanto a pedra e também paga o preço da
imobilidade.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir"O coração sente e sofre por metáfora."
ResponderExcluirAmei isto! E etc e tal...!
Abraços saudadosos!
Pois é. Não sei se por metáfora ou metonímia. Abração!
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