Tabu nas sociedades
de praticamente todo o mundo, o incesto já rendeu grandes tramas na literatura.
O escritor Nelson Rodrigues foi quem mais explorou o tema em suas peças
teatrais, como “Álbum de Família” e “Senhora dos Afogados”. Na primeira, o
filho louco é apaixonado pela mãe; na segunda, a filha trama a morte das
mulheres da família com o intuito de ter o amor do pai exclusivamente para si.
“Rei Édipo”, uma das tragédias gregas mais conhecidas, conta a história de
Édipo que, sem saber, casa-se com a própria mãe e tem com ela quatro filhos. Li
recentemente “Violetas e pavões”, livro
de contos de Dalton Trevisan, e me deparei com uma das mais belas e curtas
histórias de incestos as quais tive acesso.
“Ele” é um dos
vinte e dois contos que compõem o livro. É sobre uma menina abandonada pela mãe
e que passa a viver sob os cuidados do pai. Com o tempo, o que era apenas
proteção paterna vira relação incestuosa. Aos poucos o autor expõe ao leitor o
sentimento de abandono de pai e filha e como os dois tentam superar a solidão. “- Só nós dois... esquecidos nesta
casa. Sozinhos contra o mundo inteiro”, diz o pai à filha quando ela chora de saudades
da mãe. O pai desaparece depois que seu “crime” é descoberto, mas ódio dele ela
não sente; apenas saudade.
A narrativa de
Trevisan é sem concessões. “Violetas e pavões” chegou a ser retirado da lista
de livros do “Vestibulinho” da UFV (Universidade Federal de Viçosa). Um grupo
de pais e professores fez um abaixo-assinado exigindo que o livro fosse vetado
por falar de crimes, sexo e drogas. O fato ocorreu em 2012, mesmo ano em que o
autor recebeu o Prêmio Camões, um dos mais importantes da literatura em língua
portuguesa. “Ele” incomoda não por tratar de uma relação sexual, acredito que
nem mesmo por tratar de incesto, mas por cogitar a possibilidade de o ato ser
praticado sem violência e com o consentimento de ambos.
A arte de “Violetas
e pavões” não são seus temas, mas sua
forma. Seus drogados, pedófilos, bandidos, bêbados, poetas vão compondo enredos
ora independentes, ora conectados. As elipses de Trevisan são muitas, e a agilidade
do texto às vezes beira a vertigem.
Gostaria de escrever sobre os demais
contos, mas o espaço, assim como o conto, é curto. Fica a dica, mas não se
surpreenda se, num momento de despojamento da hipocrisia, se identificar com
alguns dos personagens. A literatura, quase sempre como um espelho, reflete os
nossos “monstros” escondidos.